A Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) determinou que a Google cumpra, imediatamente, uma série de medidas cautelares para corrigir os indícios de que a empresa está censurando o debate público sobre o Projeto de Lei 2630/2020, o chamado PL das Fake News, que cria a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet.
Segundo o secretário nacional de Defesa do Consumidor, Wadih Damous, as medidas são decorrentes do processo administrativo que o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, da Senacon, instaurou para apurar os indícios de que a empresa multinacional de tecnologia divulgou publicidade política irregular, de forma subliminar, infringindo o Código de Defesa do Consumidor.
Segundo Damous, o principal indício de que a empresa vem agindo irregularmente para, assim, promover seus próprios interesses econômicos, é o fato dela ter incluído, na página principal do buscador, junto à caixa de pesquisas, um texto em que sustentava que “O PL das Fake News pode aumentar a confusão sobre o que é verdade ou mentira no Brasil”. O link remetia o internauta a um artigo assinado pelo diretor de Relações Governamentais e Polícias Públicas da Google, Marcelo Lacerda, e foi retirado do ar pouco após a Senacon anunciar as medidas que a empresa deve cumprir.
Vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, a Senacon determinou a Google que sinalize ao usuário como publicidade este e outros conteúdos contrários à aprovação do PL 2630.
Por já ter dado ampla divulgação às críticas à proposta de regulação das plataformas digitais, a Google também terá que começar a veicular, em até duas horas após ser notificada da decisão, as posições favoráveis ao projeto de lei. Se descumprir as determinações da Senacon, a empresa será multada em R$ 1 milhão por hora.
“Diante dos casos de publicidade enganosa e abusiva praticada, impõem-se a obrigação [da empresa] veicular, no prazo máximo de duas horas após a notificação, contrapropaganda voltada a informar devidamente aos consumidores o interesse comercial da empresa no que concerne a referida proposição legislativa”, declarou o secretário nacional ao detalhar as medidas, durante coletiva de imprensa, no início da tarde de hoje (2).
A Senacon também determinou que a empresa abstenha-se de censurar, nas comunidades e aplicativos, posições divergentes de seus interesses, bem como de privilegiar as posições convergentes. Além disso, deverá informar qualquer interferência no sistema de indexação de buscas relativos ao debate do PL 2630. “[Para verificar] a facilidade com que alguém que faz uma busca sobre o PL 2630 é remetido a artigos e manifestações contrárias ao projeto basta clicar lá [no mecanismo de busca]”, sustentou Damous.
“O que estas plataformas estão fazendo é colocar uma verdade única e absoluta em face de sua opinião acerca do PL 2063. E sabemos que há opiniões contrárias que não estão aparecendo nestas publicações. Isso é inconstitucional”, acrescentou o secretário. “Naquilo que diz respeito aos consumidores, estão violando de diversas formas o Código de Defesa do Consumidor, sobretudo com abuso de poder econômico e publicidade cifrada, abusiva, que emite opinião editorial.”
Interesses econômicos
Durante a coletiva de imprensa, o ministro da Justiça, Flávio Dino, assegurou que, com a medida, o governo federal está tentando evitar “uma censura privada, clandestina e disfarçada”.
“Este debate é bastante antigo e, portanto, não tem relação direta com o nosso governo”, disse Dino, lembrando que o PL tramita na Câmara dos Deputados desde 2020. “Mas todos sabem que, após o 8 de Janeiro [quando o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal foram invadidos e depredados por vândalos e golpistas], o MJSP chegou a formular ideias de como avançar com esta regulação – que é uma exigência da Constituição.”
“Depois, tivemos a orientação de respeitar o debate que já estava em curso na Câmara e que vinha transcorrendo em termos de normalidade. Até que, neste final de semana, houve a profusão de matérias [reportagens] sobre estudos que mostram uma tentativade empresas que têm interesses econômicos próprios censurar e manipular o debate por intermédio de atuações atípicas. [Com isso] a Senacon se viu com dezenas, quiçá centenas de indícios de que algumas empresas estariam manipulando seus próprios termos de uso para privilegiar aquilo que lhes convém em detrimento de outras vozes. Isso é censura eé dever da Senacon garantir que ninguém manipule a liberdade de expressão no Brasil”, acrescentou Dino.
Entre os principais trabalhos acadêmicos mencionados por Dino está um relatório que o Laboratório de Estudos de Internet e Mídias Sociais (NetLab), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), divulgou em abril. No documento, os pesquisadores apontam que empresas como o Google, Meta (controladora do Facebook, Instagram e do Whatsapp), Spotify e Brasil Paralelo vem divulgando anúncios contra o PL 2630 sem informar aos seus usuários que se trata de conteúdo publicitário, fazendo parecer tratar-se de conteúdo objetivo e imparcial. Para os pesquisadores, a prática pode configurar abuso de poder econômico, já que impacta a opinião pública às vésperas da votação do projeto de lei e, consequentemente, os parlamentares que decidirão sobre o tema.
“As plataformas estão usando todos os recursos possíveis para impedir a aprovação do PL 2630 porque o que está em jogo são os bilhões arrecadados com publicidade digital que atualmente não possuem nenhuma regra, restrição ou obrigação de transparência, deixando anunciantes e consumidores vulneráveis aos seus interesses econômicos”, advertem os pesquisadores no documento.
As conclusões dos pesquisadores subsidiam um pedido de informações que o Ministério Público Federal em São Paulo (MPF~SP) enviou ontem a Google. Na cópia do despacho a que a Agência Brasil teve acesso, o procurador dos Direitos do Cidadão Adjunto no estado de São Paulo, Yuri Corrêa da Luz, sustenta que, se confirmadas, tais práticas “parecem estar fora do âmbito de condutas que sujeitos alvo de propostas de regulação podem adotar em um debate democrático”.
Para o procurador, “trata-se não da participação pública e transparente em uma discussão regulatória em curso, mas sim do uso, por plataformas potencialmente afetadas, dos meios que elas controlam, com exclusividade, para impulsionar, de forma opaca e escapando de qualquer accountability [responsabilização], a percepção que lhes interessa sobre um tema de inegável importância pública.”
Coalizão
Favorável ao que classifica como uma “regulação democrática” das plataformas digitais, a Coalizão Direitos na Rede, que reúne mais de 50 organizações acadêmicas e da sociedade civil, defende que o debate e a aprovação do PL é uma “oportunidade chave para [o Brasil] avançar em direção a um ambiente digital que proteja os cidadãos e assegure direitos.
Edição: Denise Griesinger
Fonte: Agência Brasil
Foto: Hannah Mckay