Uma decisão liminar da 7ª Vara Ambiental e Agrária da Seção Judiciária do Amazonas suspendeu, na tarde desta quinta-feira (25/7), a Licença Prévia (LP n° 672/2022) para a reconstrução e asfaltamento do trecho do meio da BR-319 (Manaus-Porto Velho). A juíza Maria Elisa Andrade deferiu a ação civil pública ajuizada pelo Observatório do Clima, que pedia a anulação da licença concedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) no último ano do governo Bolsonaro.
A ação aponta que a licença desconsiderou dados técnicos, análises científicas e uma série de pareceres elaborados pelo próprio Ibama ao longo do processo de licenciamento ambiental. Entre os motivos determinantes da liminar, Maria Elisa acatou a necessidade de preexistência de governança ambiental e controle do desmatamento antes da recuperação da rodovia, sob pena de não se evitar o dano ambiental já previsto para as áreas do entorno.
Em seu despacho, a magistrada destacou: “se a destruição da Floresta Amazônica não pode ser evitada, a menos que previamente estabelecidas e efetivadas políticas públicas de controle, fiscalização, prevenção e repressão às infrações e crimes ambientais associados ao desmatamento e grilagem de terras públicas; não estamos a tratar de outra questão senão inviabilidade ambiental do empreendimento da BR-319, independentemente de quem seja responsável por tais políticas públicas de controle e prevenção do desmatamento. Logo, não se trata de ‘pré-condicionantes’ ao licenciamento, mas de verdadeira inviabilidade ambiental da obra, até que o cenário de governança ambiental e fundiária seja drasticamente fortalecido por diferentes atores públicos”.
A juíza também reconhece na liminar a necessidade de considerar estudos de impactos climáticos e que isso implica subdimensionamento do Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA-RIMA), comprometendo tanto o controle governamental, como também o controle público. “Em última análise, o subdimensionamento dos impactos ambientais de grandes empreendimentos tende a esvaziar compromissos nacionais assumidos para mitigar a crise climática.”
Caso a decisão seja descumprida, uma multa de R$ 500 mil será aplicada sobre o patrimônio do agente público responsável.
Em posicionamento anterior à liminar, o Ministério dos Transportes apontou que a pavimentação da BR-319 é viável ambientalmente desde que cumpra requisitos como cercamento de parte da rodovia com implantação de 500 km de proteção física a fim de preservar a fauna na área crítica do “trecho do meio”.
Confira a decisão na íntegra:
Reação do Observatório do Clima
“Fez-se justiça. A importância dessa decisão é gigantesca. A Licença Prévia concedida pelo governo Bolsonaro para a reconstrução do trecho do meio da BR 319 é nula. A LP que foi suspensa atestou a viabilidade de uma obra que gerará muita degradação ambiental, e não há condicionantes nela que assegurem o controle da explosão do desmatamento que o asfaltamento da estrada vai causar.” Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima.
“O trabalho histórico do Ibama e de seus técnicos venceu a decisão de cunho político tomada durante o governo Bolsonaro. A verdadeira condicionante para a estrada é que ela não acelere a destruição da floresta, e está bem claro que hoje essa garantia não passa nem perto de existir.” Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.
“A decisão da justiça federal demonstra que a política não pode se sobrepor à lei e à técnica. Não se pode dar seguimento ao processo visando à emissão da Licença de Instalação quando a Licença Prévia está eivada de nulidade. Não há governança na região capaz de controlar o desmatamento gerado pelo asfaltamento do trecho do meio da BR 319”. Nauê Bernardo, especialista em litígio estratégico do Observatório do Clima e um dos autores da ação civil pública.
Foto: Izabel Santos/OBR-319