O estudante amazonense Eli Minev Benzecry, de 17 anos, vai representar o Brasil na International Science and Engineering Fair (ISEF), que acontece em maio de 2025, em Columbus, Ohio (EUA). A ISEF é a maior feira de ciência e engenharia para estudantes pré-universitário do mundo.
O jovem levará o projeto ‘Amazônia Chibata: Ariá – uma alternativa de alimento para o combate da insegurança alimentar na Amazônia brasileira em tempos de mudanças climáticas’, que parte de uma proposta ousada e poética ao mesmo tempo: resgatar o consumo do ariá, um tubérculo tradicional amazônico (Goeppertia allouia), e colocá-lo como uma alternativa de enfrentamento à insegurança alimentar rural e urbana na região Norte.
Com orientação da Dra. Noemia Ishikawa, pesquisadora do INPA (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia) e da Dra. Ruby Vargas Isla Gordiano, gestora do projeto PPBio – Diálogos Multiculturais, Eli desenvolveu uma proposta que alia pesquisa científica com impacto social sobre segurança alimentar e engajamento comunitário.
Segundo Eli, a segurança alimentar na Amazônia é um paradoxo. “Temos uma biodiversidade imensa, mas muitas comunidades não conseguem acessar alimentos saudáveis, especialmente em períodos de seca extrema, como os de 2023 e 2024″, explicou Eli.
Dividido em quatro fases, o projeto começou com a transformação de campos esportivos abandonados em sistemas agroflorestais, onde o ariá foi cultivado junto a outras espécies. Em seguida, o projeto realizou análises laboratoriais para identificar o perfil nutricional completo do ariá obtido em sua horta e em feiras da cidade, confirmando o valor nutricional do alimento.
A terceira etapa do projeto levou o ariá para a cidade, por meio da criação de hortas urbanas comunitárias, promovendo a biodiversidade e aproximando a população de alimentos nativos e saudáveis. Por fim, a iniciativa apostou em ações educativas com a publicação do livro “Ariá – um alimento de memória afetiva” e parcerias locais para incentivar o cultivo doméstico e o consumo do ariá, reforçando a soberania alimentar das comunidades.
“Os resultados do trabalho do Eli mostraram que o ariá é fonte de aminoácidos essenciais, acessível, e que pode ajudar a enfrentar a fome principalmente nos meses de agosto a outubro, período de seca na nossa região.”, disse Noemia.
“Esse é um exemplo de ciência aplicada com raízes profundas na biodiversidade e cultura local, mas com olhos voltados para soluções globais”, comenta a orientadora do projeto.
A Dra. Ruby Vargas Isla Gordiano contou que foi na busca pelo ariá, que os levou a outros locais. “Seja na área rural de Manaus assim como outras cidades conseguimos juntar sete acessos para dar início com a produção de rizomas.
O estudante, que irá apresentar o trabalho a especialistas e pesquisadores de todo o mundo, espera que o reconhecimento internacional ajude a dar visibilidade a alimentos amazônicos e valorize os saberes locais. Projetos como este, mostra que inovação também nasce do resgate da sociobiodiversidade e do diálogo entre ciência e comunidade. Reforça Ruby.
O diretor do INPA, Dr. Henrique Pereira acredita que: “o que vemos nesse projeto é a essência do que o INPA defende há sete décadas: ciência com raízes na floresta e olhos no futuro. Ver um jovem como o Eli liderar esse movimento, dialogando com os saberes dos mais velhos e resgatando espécies nativas como o ariá, é testemunhar o poder de uma ciência intergeracional, culturalmente enraizada e socialmente transformadora”, afirmou o diretor do INPA.
Pesquisa e livro
Tudo começou quando Eli se deparou com um campo de futebol em desuso no bairro Tarumã de Manaus e decidiu transformá-lo em um sistema agroflorestal produtivo. A partir daí, o projeto se expandiu para bairros como Parque das Tribos, Puraquequara, Adrianópolis e sempre com uma mesma lógica: trazer de volta ao prato e à terra aquilo que pertence ao povo da floresta — as plantas, os saberes, os modos de vida.
A pesquisa deu origem ao livro “Ariá: um alimento de memória afetiva”, o primeiro volume da Série Amazônia Chibata, do qual Eli é autor principal, ao lado de outros onze coautores indígenas e não indígenas.
O livro foi publicado em língua indígena Ye’pâ-masã (Tukano) e portuguesa no contexto de projetos já apoiados pela FAPEAM, e um projeto atual do CNPq, que busca estimular diálogos científicos multiculturais sobre a sociobiodiversidade amazônica com potencial bioeconômico (PPBio Diálogos Multiculturais). E a versão em língua inglesa já está na gráfica, para levarmos para o ISEF, Reunião Anual Rede Bioamazonia que ocorrerá em Iquitos, no Perú e na COP 30, em Belém, Pará.
A obra representa uma contribuição valiosa para preencher uma lacuna histórica: a carência de literatura acessível e aprofundada sobre espécies alimentícias nativas da Amazônia em línguas indígenas e não indígenas
‘Ariá: um alimento de memória afetiva’ foi elaborado de forma coletiva, multicultural, multidisciplinar, multigerações, a começar com o Eli com 17 anos a Dona Francisca e Dona Angela com 73 anos. O conteúdo final é o resultado de um ano de trabalho e muitos diálogos entre os autores. Acredito que o livro será uma importante ferramenta para alcançar os objetivos do projeto.
O livro publicado pela Editora INPA e Editora Valer, foi lançado no dia 16 de abril de 2025, no restaurante Caxiri, Manaus, AM, com a presença da família, amigos e mais de 150 pessoas que compareceram ao evento.
Dentre eles, a primeira professora de Eli, a Gladys Socorro Peña Espinoza, que emocionada disse: “Estou muito feliz e orgulhosa de ter sido a primeira professora desse menino brilhante e super inteligente, que agora será um grande escritor”.
Olimpíada e outras conquistas
Eli apresenta esse conhecimento em feiras, congressos e encontros científicos pelo Brasil, sendo simposista da Mostratec, do Congresso Nacional de Pesquisas sobre a Amazônia, do Congresso Brasileiro de Recursos Genéticos, entre outros.
Além da pesquisa, Eli também é engajado em olimpíadas científicas (foi 1º lugar nacional na Olimpíada Brasileira de Biologia Sintética por dois anos consecutivos, e medalhista em Astronomia, Matemática, Geociências, Medicina, entre outras) e em iniciativas de liderança, como fundador e Secretário-Geral do CONNECT MUN, o Modelo das Nações Unidas do seu colégio.
O reconhecimento da Mostratec, o convite para a ISEF e a construção coletiva da Série Amazônia Chibata colocam o Eli como um nome que representa a nova geração da ciência brasileira — aquela que nasce do chão da floresta, fala com a comunidade, aprende com os mais velhos, e enxerga a Amazônia não como um lugar a ser explorado, mas como um espaço vivo de inovação, saber ancestral e soluções locais para desafios globais.
“A premiação na MOSTRATEC foi emocionante. Agora, representar o Amazonas em Ohio, nos coloca em uma situação de muita responsabilidade. Por isso, falando a linguagem local, estamos “caprichando” em todos os detalhes para buscar “garantir” uma medalha no ISEF”, disse Noemia.
Para Eli, esse projeto carrega muito mais do que dados e hipóteses: carrega raízes, cultura, território e futuro.
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