No município de Careiro Castanho (a 112 quilômetros de Manaus), a atuação de Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM) garantiu a um idoso a ter seu primeiro documento civil aos 68 anos idade. Nessa quinta-feira (13), ao receber sua Certidão de Nascimento, Lúcio Ondia disse, emocionado: “Agora eu sou alguém”.
Sem documentação, Lúcio conta que passou por inúmeras dificuldades ao longo da vida. “Eu não consigo votar. Não tenho RG e não consigo fazer muita coisa sem documentos”.
O homem conta que nasceu em Assis Brasil (AC), na tríplice fronteira entre Brasil, Bolívia e Peru. Logo após o nascimento, foi entregue pela mãe aos cuidados de uma mulher chamada Rosa Ondia, uma indígena da Bolívia. Ele diz que, por se tratar de uma das regiões mais remotas do país, nunca teve seu nascimento registrado.
Aos 16 anos, iniciou uma vida itinerante, se mudando de cidade em cidade no interior do Amazonas, sempre envolvido em serviços braçais, sobretudo na agricultura. No fim dos anos 1980, chegou ao município de Careiro Castanho, onde vive até os dias de hoje.
Apesar de várias tentativas ao longo dos anos, o homem não conseguia obter sua Certidão de Nascimento, até que, orientado pelo Cartório de Careiro, procurou a Defensoria Pública.
Em julho de 2024, foi atendido na unidade da DPE-AM em Careiro Castanho. Durante o atendimento, ao ser questionado sobre o nome de seus pais, declarou desconhecê-lo. Porém, manifestou o desejo de incluir o nome de sua mãe de criação. “Todo mundo tem pai e tem mãe. Eu não lembro deles, mas lembro da mulher que me criou”, disse.
A DPE-AM, então, ingressou com uma ação na Justiça e obteve a sentença favorável para a emissão da Certidão de Nascimento, com a qual Lúcio Ondia poderá dar entrada a outros documentos.
O caso foi atendido pelo defensor Danilo Justino Garcia, responsável pela DPE-AM no município. De acordo com o defensor, o atendimento foi, ao mesmo tempo, “comum e particular”. “Comum porque, mesmo com todos os avanços tecnológicos, ainda é comum encontrar no interior do Amazonas uma grande quantidade de pessoas que passam a vida sem o registro civil de nascimento, impedidas de exercer plenamente seus direitos, como votar, obter documentos de identificação e de conseguir auxílio do governo mediante benefícios sociais”, observa.
“Também é particular porque no caso específico do senhor Lúcio havia a incerteza sobre o local exato em que ele nasceu, o que nos levou a avaliar com cautela qual a providência a ser adotada nesse nessa situação específica”, acrescenta Danilo Garcia.
Nos autos do processo, a DPE-AM reuniu provas de que o homem sempre viveu no Brasil, ainda que não houvesse comprovação do país de nascimento. “E aí, com base nesses elementos, optamos por pedir o registro tardio aqui mesmo, em Careiro Castanho, garantindo a ele uma certidão que permite, enfim, sua inclusão formal na sociedade”, explica o defensor.
Danilo Garcia enfatiza que, por ser um direito fundamental, o registro civil é a porta de entrada para o exercício da cidadania. Para o defensor, o episódio exemplifica “a necessidade de avançar na ampliação do atendimento da Defensoria Pública no interior do Amazonas para combater, entre outras coisas, o sub-registro mediante articulação com outros órgãos estatais, a fim de assegurar que ninguém fique sem ser o principal documento de identificação”.
“Parece ser algo banal, mas, na verdade, a Certidão de Nascimento é a garantia de ser reconhecido como cidadão, com todos os direitos e oportunidades que isso proporciona”, conclui.
Foto: Divulgação/DPE-AM